Fim dos Benefícios Fiscais na Reforma Tributária: Impactos Macroeconômicos e Estratégias Regionais para o Futuro


A Reforma Tributária regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 (LC 214/2025), nos traz uma análise e reflexão sobre os impactos da extinção dos benefícios fiscais, a criação de fundos compensatórios, o papel do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e as transformações macroeconômicas e sociais que moldarão o futuro das regiões brasileiras. Neste texto, procuro estabelecer uma visão técnica e estratégica, bem como esclarecer os desafios e oportunidades que a reforma apresenta, com foco em cidades como Londrina, Maringá, Itajaí (SC), Extrema, Uberlândia (MG), entre tantas outras, além de exemplos de sucesso como o Porto Digital em Recife (PE) e Gavião Peixoto (SP).

A Reforma Tributária e Seus Cinco Pilares

A Reforma Tributária, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132/2023) e regulamentada pela LC 214/2025, tem como objetivo modernizar o sistema tributário brasileiro, eliminando distorções e promovendo justiça fiscal. Seus cinco pilares principais são:

  1. Fim da Guerra Fiscal: A competição predatória entre estados, marcada pela concessão de benefícios fiscais de ICMS, será extinta com a transição para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unifica ICMS e ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui PIS e Cofins. A tributação no destino, em vez da origem, neutraliza a vantagem de oferecer isenções para atrair empresas.
  2. Tributação no Destino: A mudança da tributação da origem para o consumo elimina incentivos fiscais baseados na localização da produção, promovendo isonomia concorrencial e redistribuindo receitas para estados e municípios consumidores.
  3. Combate à Sonegação via Split Payment: O mecanismo de split payment permite a retenção imediata do imposto na transação, reduzindo a sonegação ao garantir que o tributo seja recolhido diretamente ao Fisco, sem depender do contribuinte.
  4. Base Ampla de Tributação: O IBS e a CBS abrangem praticamente todos os bens e serviços, com alíquotas uniformes, exceto para setores com regimes específicos (como saúde, educação e cesta básica), garantindo maior previsibilidade e simplicidade.
  5. Não Cumulatividade Plena: O sistema de crédito integral do IBS e da CBS elimina a tributação em cascata, permitindo que empresas compensem impostos pagos em etapas anteriores, o que aumenta a competitividade e reduz custos.

Esses pilares culminam na extinção progressiva dos benefícios fiscais de ICMS, com a redução gradual até sua eliminação total em dezembro de 2032, conforme previsto no art. 384 da LC 214/2025.

Extinção dos Benefícios Fiscais e o Fundo de Compensação

A extinção dos benefícios fiscais, especialmente os relacionados ao ICMS, é um dos pontos mais sensíveis da reforma. Historicamente, estados como Santa Catarina (SC), Goiás (GO) e Minas Gerais (MG) utilizaram incentivos fiscais para atrair investimentos, como no caso de Itajaí, que se beneficiou de isenções para importação e operações portuárias. A LC 214/2025 prevê a redução escalonada desses benefícios entre 2029 e 2032, com a seguinte estrutura:

  • 2025-2028: Benefícios mantidos integralmente para garantir segurança jurídica.
  • 2029-2032: Redução gradual, culminando na extinção total em 31/12/2032.
  • Pós-2032: Nenhum benefício fiscal de ICMS será permitido, exceto os constitucionalmente garantidos (como Zona Franca de Manaus).

Para mitigar os impactos, a LC 214/2025 institui o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, com aporte de R$ 160 bilhões pela União entre 2025 e 2032. Este fundo compensará empresas que possuíam benefícios fiscais onerosos (com contrapartidas, como geração de empregos) concedidos até 31/05/2023, ou prorrogações até 16/04/2025, conforme arts. 384 a 405 da LC 214/2025.

Como as Empresas Acessarão o Fundo?

O acesso ao Fundo de Compensação será gerido pela Receita Federal do Brasil (RFB), com os seguintes critérios e procedimentos:

  1. Habilitação: Empresas devem se habilitar entre 01/01/2026 e 31/12/2028, apresentando documentação que comprove:
  • Registro do benefício no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), conforme LC nº 160/2017.
  • Natureza onerosa do benefício, com contrapartidas específicas (ex.: investimento mínimo, geração de empregos).
  • Concessão até 31/05/2023 ou prorrogação/renovação até 16/04/2025.
  1. Valor da Compensação: O montante será calculado com base no valor do benefício perdido, ajustado pelo IPCA desde 2023 até o ano anterior ao pagamento. A compensação será paga em espécie diretamente ao contribuinte, entre 01/01/2029 e 31/12/2032.

Exclusões: Benefícios genéricos, declaratórios ou vinculados exclusivamente a fundos estaduais não são elegíveis.

Riscos e Litigiosidade: A definição de “benefício oneroso” e os critérios da RFB podem gerar controvérsias. Há preocupações sobre a subjetividade na interpretação, o que pode levar a questionamentos judiciais, especialmente se a Receita impor exigências não previstas nos acordos originais entre estados e empresas.

Se os recursos do fundo forem insuficientes, a União deverá complementá-los. Caso sobrem recursos, eles serão transferidos ao FNDR.

O Papel do FNDR no Desenvolvimento Regional

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), instituído pela EC 132/2023, é a principal ferramenta para substituir os benefícios fiscais como motor de desenvolvimento regional. Com aportes de R$ 570 bilhões entre 2029 e 2042 e R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043, o FNDR visa reduzir desigualdades regionais e atrair empresas por meio de investimentos diretos em infraestrutura, ciência, tecnologia e sustentabilidade.

Como o FNDR Atrairá Empresas?

  1. Critérios de Distribuição:
  • 70%: Baseado no coeficiente do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que prioriza estados menos desenvolvidos.
  • 30%: Proporcional à população, garantindo equilíbrio entre estados populosos e menos populosos.
  1. Objetivos do FNDR:
  • Financiar projetos de infraestrutura (ex.: portos, rodovias, energia renovável).
  • Promover atividades de alto valor agregado, como inovação tecnológica e capacitação de mão de obra.
  • Incentivar práticas sustentáveis, como economia circular e redução de emissões.
  1. Vantagens Competitivas:
  • Diferentemente dos benefícios fiscais, que distorciam a concorrência, o FNDR oferece incentivos diretos, como subsídios para instalação de fábricas ou parcerias público-privadas (PPPs).
  • Estados podem usar os recursos para melhorar a logística, atraindo empresas que dependem de eficiência operacional, como em Itajaí, cujo porto é um diferencial competitivo.
  1. Desafios:
  • A distribuição dos recursos pode não atender às especificidades regionais, favorecendo estados com maior influência política.
  • A gestão eficiente dos recursos exigirá planejamento estratégico e transparência para evitar desvios ou ineficiências.

Migração de Empresas e Novas Vocações Regionais

A extinção dos benefícios fiscais, aliada à tributação no destino e à implementação do IVA dual (IBS e CBS), terá impactos profundos na localização de empresas e na vocação econômica das regiões. Cidades como Itajaí (SC) e Gavião Peixoto (SP) exemplificam os desafios e oportunidades.

Itajaí (SC): O Papel do Porto e a Perda de Incentivos

Itajaí se consolidou como um polo logístico e industrial devido ao Porto de Itajaí e aos benefícios fiscais de ICMS, que atraíram empresas importadoras e indústrias que beneficiam insumos importados. Com a extinção desses incentivos, o cenário muda:

Risco de Migração:

  • Empresas que se instalaram em Itajaí exclusivamente por incentivos fiscais podem migrar para regiões com maior mercado consumidor, como São Paulo ou Rio de Janeiro, onde a tributação no destino será mais vantajosa.
  • A importação, antes favorecida por isenções de ICMS, perderá competitividade, já que o IBS incidirá uniformemente, independentemente da origem.

Nova Vocação:

  • Fortalecer a Logística: O Porto de Itajaí deve ser modernizado com recursos do FNDR, investindo em automação e integração multimodal (rodovias, ferrovias). Isso atrairá empresas que valorizam eficiência logística, como e-commerce e cadeias globais de suprimentos.
  • Capacitação de Mão de Obra: Investir em educação técnica e tecnológica, a exemplo do Porto Digital em Recife, pode atrair indústrias de tecnologia e serviços.
  • Sustentabilidade: Projetos de energia renovável e economia circular (ex.: reciclagem de contêineres) podem posicionar Itajaí como um hub verde, alinhado aos incentivos do FNDR.

Impactos Sociais:

  • A migração de empresas pode gerar desemprego no curto prazo, especialmente em setores dependentes de importação.
  • Investimentos em infraestrutura e qualificação podem criar empregos de maior valor agregado, reduzindo desigualdades a longo prazo.

Gavião Peixoto (SP): Um Oásis sem Benefícios Fiscais

Gavião Peixoto, sede da Embraer, é um exemplo de sucesso sem dependência de benefícios fiscais. A cidade se transformou em um polo de alta tecnologia devido à presença de uma indústria inovadora, que atrai profissionais qualificados e eleva a qualidade de vida.

Fatores de Atração:

  • Mão de Obra Qualificada: A Embraer investe em treinamento, atraindo engenheiros e técnicos que consomem localmente, gerando um ciclo virtuoso.
  • Infraestrutura Específica: A pista de testes e a logística aeronáutica tornam Gavião Peixoto única, independentemente de incentivos fiscais.
  • Qualidade de Vida: A renda elevada dos funcionários da Embraer impulsiona o comércio e os serviços, transformando a cidade em um oásis em uma região menos desenvolvida.

Lições para Outras Regiões:

  • Cidades devem investir em nichos de alta tecnologia ou indústrias que exijam infraestrutura específica, dificultando a migração.
  • A parceria com universidades e centros de pesquisa pode criar ecossistemas de inovação, como em Gavião Peixoto.

Impactos Sociais:

  • A concentração de renda em profissionais qualificados pode aumentar desigualdades locais, exigindo políticas públicas para incluir a população menos favorecida.
  • A estabilidade econômica da cidade dependerá da continuidade de investimentos da Embraer e da diversificação de setores.

Porto Digital (Recife, PE): Um Modelo de Sucesso

O Porto Digital é um exemplo de como a vocação tecnológica pode transformar uma região sem depender de benefícios fiscais:

Fatores de Sucesso:

  • Educação e Inovação: Parcerias com universidades formam mão de obra qualificada em tecnologia da informação, atraindo startups e multinacionais.
  • Ecossistema Colaborativo: Incubadoras, aceleradoras e eventos de inovação criam um ambiente atrativo para empresas.
  • Qualidade de Vida: Recife combina custo de vida acessível com infraestrutura urbana, atraindo talentos.

Aplicação a Outras Regiões:

  • Cidades como Itajaí podem replicar o modelo, criando polos tecnológicos focados em logística ou energias renováveis.
  • O FNDR pode financiar centros de inovação, conectando empresas a universidades e reduzindo a dependência de incentivos fiscais.

Análise Macroeconômica e Social

Impactos Macroeconômicos

  1. Redução da Guerra Fiscal:
  • A tributação no destino e a extinção dos benefícios fiscais eliminam distorções concorrenciais, aumentando a eficiência econômica.
  • Estados menos desenvolvidos, como os do Norte e Nordeste, podem perder competitividade inicial, mas o FNDR mitiga esse impacto ao financiar infraestrutura.
  1. Crescimento Econômico:
  • A não cumulatividade do IBS e da CBS reduz custos de produção, estimulando investimentos e exportações.
  • A simplificação tributária, com split payment e digitalização, diminui o custo de conformidade, beneficiando PMEs.
  1. Redistribuição de Receitas:
  • Municípios consumidores, como capitais, ganharão com a tributação no destino, enquanto polos produtores, como Itajaí, podem perder arrecadação.
  • O Fundo de Compensação e o FNDR equilibram essa transição, mas sua eficácia dependerá da gestão.

Impactos Sociais

  1. Desigualdades Regionais:
  • Sem políticas robustas, a migração de empresas para centros urbanos pode agravar desigualdades, concentrando renda em regiões como Sudeste e Sul.
  • O FNDR e o cashback (devolução de tributos a famílias de baixa renda) promovem justiça social, mas exigem execução eficiente.
  1. Emprego e Qualificação:
  • A curto prazo, a migração de empresas pode causar desemprego em cidades dependentes de incentivos.
  • A longo prazo, investimentos em educação e tecnologia, como no Porto Digital, criarão empregos qualificados, reduzindo a informalidade.

Estratégias para o Período de Transição e Pós-Reforma

Para permanecerem atrativas, as regiões devem adotar as seguintes estratégias:

  1. Investir em Infraestrutura: Usar o FNDR para modernizar portos, rodovias e energia, como em Itajaí, reduzindo custos logísticos.
  2. Qualificar a Mão de Obra: Parcerias com universidades e institutos técnicos, a exemplo de Gavião Peixoto, atraem indústrias de alto valor.
  3. Foco em Sustentabilidade: Projetos de energia renovável e economia circular alinham-se aos incentivos do FNDR e atraem empresas globais.
  4. Diversificação Econômica: Cidades como Recife mostram que polos tecnológicos podem substituir incentivos fiscais, criando ecossistemas resilientes.

A Reforma Tributária, com a LC 214/2025, marca o fim de uma era de benefícios fiscais e guerra fiscal, promovendo um sistema mais justo, simples e competitivo. O Fundo de Compensação e o FNDR são ferramentas cruciais para suavizar a transição, mas seu sucesso dependerá de gestão eficiente e critérios claros. Regiões como Itajaí devem reinventar sua vocação, apostando em logística e tecnologia, enquanto exemplos como Gavião Peixoto e Porto Digital mostram que a qualificação e a inovação são o futuro. A longo prazo, a reforma tem o potencial de reduzir desigualdades e impulsionar o crescimento, desde que estados e municípios se adaptem estrategicamente ao novo cenário.

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